SOBRE A COLEÇÃO RECÉM-MESTRE, da Universidade Tuiuti do Paraná

 

A proposta da Coleção Recém-Mestre é publicar as dissertações que obtiveram nota máxima e indicação de publicação pela Banca de Defesa.  O projeto visa integrar o recém-mestre ao cenário acadêmico e profissional, motivando a continuidade dos estudos e considerando o mestrado como uma etapa dedicada à pesquisa científica que provoca uma reflexão capaz de motivar o pensamento crítico. A publicação das dissertações tem por objetivo a valorização e validação dos trabalhos dos membros da Banca e é, ao mesmo tempo, um incentivo ao aluno e uma contribuição à comunidade acadêmica. Entendendo que a integração instituição de ensino-sociedade é de extrema relevância, o Mestrado em Comunicação e Linguagens, ao publicar suas melhores dissertações, quer oportunizar a disseminação do conhecimento, oferecendo ao público temas de interesse na área de comunicação social e de interfaces midiáticas.  A Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), através de seu Setor de Pós-Graduação e Editoração, compreendeu e viabilizou esta publicação.


“Entre a estatueta do Oscar e o Oscar da estatueta”, de Tom Lisboa, é o primeiro volume publicado por esta coleção idealizada pela Profª Drª. Denize Correa Araujo.

 

ENTRE A ESTATUETA DO OSCAR E O OSCAR DA ESTATUETA

Dissertação de Tom Lisboa

 

Inicialmente, a estatueta do Oscar, que foi entregue pela primeira vez em 1929, num evento fechado, possuía apenas uma função além de ser o prêmio que iria celebrar o “mérito” da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: ser um enfeite de escrivaninha ou lareira. A história, a afluência da mídia e a curiosidade do público, no entanto, vieram transformar a imagem do Oscar em um símbolo internacionalmente conhecido. Mesmo assim, mais de 75 anos depois de seu aparecimento, a bibliografia a respeito deste objeto e da cerimônia de que faz parte não se encontra devidamente teorizada já que os livros disponíveis para consulta normalmente enfocam apenas aspectos sensacionalistas ou curiosidades de bastidores.

 

O tema da pesquisa surgiu em decorrência da dimensão que este prêmio tomou na atualidade. No Brasil, o Oscar tomou conta até mesmo do dicionário da língua portuguesa, que faz referência ao vocábulo Oscar, mas deixa de lado prêmios nacionais importantes como o Kikito, do Festival de Gramado, ou o Candango, do Festival de Brasília. A alusão ao seu nome e à sua forma encontram-se impregnados em nossa cultura. Ao se designar uma competição importante tornou-se lugar-comum usar o nome Oscar para supostamente enaltece-la. Foram relatados 74 exemplos que vão dos já comuns, “Oscar da Música” ou “Oscar da Televisão”, até os mais singulares como o “Oscar do transporte aéreo” ou o “Oscar da farmácia de manipulação”. Da mesma forma, a silhueta da estatueta do Oscar também se metamorfoseu em troféus de competições nacionais ligadas às mais variadas áreas de atuação como por exemplo o Prêmio Victor Civita (educação), o Troféu Imprensa (televisão), entre outros.

 

Hoje em dia, o Oscar, como imagem, encontra-se desreferencializado de seu objeto original. De tanto ser protagonista de um espetáculo televisivo que espetaculariza a vida de pessoas reais, a própria vida acabou sendo convertida em uma espécie de show contínuo. Foi-se o tempo em que havia a separação entre real e imaginário, signo e coisa. O objetivo desta pesquisa é traçar uma linha evolutiva da imagem do Oscar desde sua fase ornamental até a constituição de seu próprio simulacro. Neste percurso, pretende-se ainda identificar a formação do imaginário que circunda a estatueta, estudar a importância dos meios de comunicação na transformação da estatueta em seu próprio simulacro e analisar o caráter espetacular da cerimônia do Oscar em consonância com os tempos atuais.

 

Para atingir estes objetivos deixei de lado a abordagem tradicional que certos autores impõem de levar em conta o mérito dos filmes premiados. Como veremos no decorrer do trabalho, o “jogo do Oscar”, que gira entre a aquisição e a perda da estatueta, acaba esvaziando de importância qualquer coisa que ela represente.

 

A principal base teórica que vai servir de fio condutor para analisar a transformação da estatueta de objeto ornamental até a constituição de seu próprio simulacro será a teoria das fases sucessivas da imagem proposta por Jean Baudrillard, em seu livro Simulacros e Simulação. Também servirão de referência, para fundamentar este estudo, e dialogar com as idéias propostas por Baudrillard, as  teorias de cultura de massa e imaginário de Edgar Morin, as reflexões de Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo e os conceitos de Marshall McLuhan a respeito dos meios de comunicação.

 

Trechos da dissertação:

 

De qualquer forma, a estatueta ainda não é um símbolo composto por um sistema de valores próprios e, por isso, é incapaz de mobilizar o imaginário coletivo para despertar emoções ou direcionar um pensamento. Mesmo após o início da premiação, em 16 de maio de 1929, a importância deste prêmio ainda permaneceu obscura até o começo da década de trinta. Em primeiro lugar porque o rádio e a imprensa ainda não divulgavam maciçamente a cerimônia e, em segundo, porque uma sintonia cultural ainda não havia sido estabelecida. Uma declaração de Cary Grant torna esta última afirmação mais clara: “Havia algo de embaraçoso nesta reunião de pessoas bem-sucedidas se auto-congratulando. Quando tudo começou, nós até brincávamos: ‘Está bem, Freddie March, nós sabemos que você ganha um milhão de dólares por filme. Agora suba lá e pegue sua medalhinha’”.

Demorou alguns anos para que esta situação se revertesse em favor da estatueta. No entanto, por pertencer a uma indústria que celebra a estrela e o gênero, ela teve a oportunidade de construir sua imagem em cima de estereótipos bem-sucedidos que remetem ao sucesso, poder e individualidade. Assim, gradualmente, ela vai deixando de ser apenas o reflexo de uma realidade profunda para finalmente fabricar uma nova identidade.”

 

 

As estrelas de cinema, ao receberem o prêmio da Academia, aceitam involuntariamente a concessão de um valor simbólico à estatueta. São esses heróis do consumo que ao possuírem este objeto vão transformar, aos olhos do público, o Oscar em um produto desejável, posicionado muito além de seu valor de uso. Primeiro pela identificação com que o ganhou e, em segundo, porque este é um produto raro, não disponível para venda.  

Um pouco do que Holden chamou de “Febre do Oscar” advém desta escassez do produto e da visibilidade de quem o ganhou. As próprias estrelas não ficaram indiferentes à sedução alcançada pelo objeto. Emanuel Levy cita, em The Winner is..., vários casos de atores e atrizes que nesta época faziam campanhas caras (mas, discretas se comparadas com as que são feitas atualmente) para consegui-lo. Dentre as várias declarações, duas demonstram bem esta transição do Oscar de objeto decorativo para objeto de desejo:

 

Humphrey Bogart, em 1951, depois de ganhar o Oscar de melhor ator por Uma Aventura na África (1951): “A forma de sobreviver ao Oscar é nunca tentar receber outro. Você viu o que acontece com alguns ganhadores do Oscar. Eles passam o resto de suas vidas rejeitando roteiros, enquanto buscam o papel para ganhar outro Oscar. Diabos, espero nunca mais ser indicado. De agora em diante, quero papéis triviais” (...) Mercedes McCambridge, em 1949, ao ganhar o Oscar de melhor atriz coadjuvante por A Grande Ilusão(1949): “O Oscar pertence a mim ou eu pertenço a ele? Qual de nós dois estaria sempre em débito um com o outro?” (in LEVY 1990:305)

 

O Oscar converte-se também em celebridade. Assim como a estrela, poucos tem contato direto com ele. Sua relação com o público é sempre mediada através de imagens reproduzidas nas mais variadas mídias. Ele torna-se um material importante na divulgação dos filmes e, até mesmo faz referência àquelas “pessoas admiráveis em que o sistema se personifica [e que] são conhecidas por aquilo que não são”(DEBORD 1997:41).”

 

 

A partir de 1950, a publicidade chega definitivamente à indústria do cinema para multiplicar as mediações comunicacionais entre a produção cinematográfica hollywoodiana e seu público cada vez mais exíguo. O discurso publicitário vai retrabalhar, nos espectadores, estímulos emocionais semelhantes aos processos de projeção-identificação já bem desenvolvidos na década anterior. Vimos, inclusive, no item O herói simpático, que a platéia desejava que o herói da tela fosse protegido na segurança do happy end. A diferença é que este discurso publicitário não vai estar embutido na narrativa fílmica, mas agregado na forma de uma dramatização especialmente desenvolvida para despertar as mais variadas sensações no público antes mesmo dele conferir o filme pessoalmente. A emoção e a curiosidade pára-textuais surgem como novos artifícios a serem utilizados pela publicidade na busca do desenvolvimento de um novo reflexo involuntário que levasse a sociedade de volta ao cinema.

Em 1953, época da primeira transmissão ao vivo pela televisão, o Oscar já fazia parte da cultura norte-americana há 25 anos e representava um modelo de simulação que Baudrillard denominou de “síntese do artificial” (1974:135-6). Muito utilizado em publicidade, a “síntese do artificial” consiste da utilização do discurso tautológico para exprimir uma realidade. No caso, a Academia instituiu “Oscar, ‘a excelência cinematográfica’”. “Tudo nele é metáfora (...) a repetição é que origina em toda a parte a causalidade eficaz” (1974:135). Baudrillard ainda argumenta que “estes sintagmas publicitários não proporcionam qualquer sentido, não são verdadeiros nem falsos – mas eliminam precisamente o sentido e a prova. (...) O consumidor consagrará apenas o acontecimento” (1974:136).”

 

 

“Após o televisionamento da cerimônia do Oscar, as motivações que justificavam a busca pela estatueta estavam consolidadas porque também o público havia desenvolvido a habilidade de, inconscientemente, decodificar estas convenções criadas pela Academia. De acordo com Baudrillard, é a profusão publicitária que põe fim à fragilidade do objeto porque “qualquer objeto será considerado mau enquanto não resolver esta culpabilidade de não saber o que quero ou o que sou” (2002:180). Assim como dentro de um gênero de fantasia ou ficção não questionamos o fato de que um homem possa voar, esta busca por reconhecimento através de um objeto e a descomunal exaltação desta conquista só se tornam verossímeis aos olhos de quem aceitou deliberadamente o condicionamento para isto. Baudrillard destaca este poder condicionante que a comunicação de massa tem em criar a “lógica da fábula e da adesão. Não acreditamos nela e todavia a mantemos. (...) O indivíduo é sensível à temática latente de proteção e de gratificação” (2002:175-6).”