TEXTO 1
Em Eldorado, o poeta e
jornalista Paulo Martins, à beira da morte, rememora sua
participação em lutas políticas. Dividido entre dois
aspirantes ao poder e manipulado pela multinacional Explint, ele
agoniza sem conseguir solucionar as contradições de Eldorado e
as suas, ao tentar equacionar de forma conseqüente a poesia e a
política.
TEXTO 2
Um clássico
sobre o Brasil
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
"Terra em Transe" é um
dos grandes ensaios de interpretação do Brasil e certamente o
mais agudo e ambicioso já realizado pelo cinema nacional.
Revendo-o a quase 40 anos de distância, parece mais pertinente
e justo colocá-lo na prateleira dos clássicos, ao lado de
obras como "Casa-Grande & Senzala" ou "Raízes
do Brasil", do que na estante do cinema novo -do qual
representa o auge e anuncia implicitamente os limites.
"Terra em Transe" é a resposta de Glauber Rocha ao
golpe de 1964. Resposta complexa, avessa aos dogmatismos da
esquerda, que implodia a visão dicotômica do bem contra o mal.
A esse conteúdo incômodo, provocador, que desorganizava os
termos da disputa política e exigia autocrítica dos
progressistas, correspondia uma forma igualmente
anticonvencional e desconcertante.
O filme foi acusado de servir à
direita e de ser incompreensível. A "alegoria
barroca" que Glauber fez do Brasil expõe ao ridículo as
forças reacionárias que venceram em 64, no filme encarnadas na
liderança conservadora e católica do senador Porfirio Diaz (um
magnífico Paulo Autran). Mas também destrói o populismo
esquerdizante que havia sido derrotado na figura de João
Goulart. Vieira, o governador de Província populista
interpretado por José Lewgoy, é vacilante, acovardado, incapaz
de administrar o conflito entre as aspirações populares de que
se torna porta-voz e os compromissos que assumira durante a
campanha com seus financiadores. Tudo muito atual, portanto.
Por fim, Glauber expõe e explora a má consciência da esquerda
e dos intelectuais na figura contraditória de Paulo Martins. O
protagonista vivido por Jardel Filho é alguém febril, que
mimetiza e imprime ao filme a sua narrativa dilacerante e
exasperada. Jornalista e poeta, vive o dilema entre a arte e a
política, dividido entre a fome do país e a fome do absoluto.
Apadrinhado na juventude por Diaz, o trai e adere ao reformismo
de Vieira, com quem também rompe ao se sentir traído.
As duas personagens femininas do
filme -Sara (Glauce Rocha) e Sílvia (Danuza Leão)- são como a
formiga e a cigarra, a encarnação do princípio da realidade e
do princípio do prazer. A primeira é a companheira do poeta,
dedicada às tarefas operosas e aborrecidas da política. Não
à toa, a certa altura ela confessa que gostaria de casar, ter
filhos e ser feliz. Silvia, a amante que Paulo ganhou de
presente e divide com Porfirio Diaz, é a musa, lânguida e
muda, dos momento de deleite, uma imagem da felicidade impossível.
A grandiloqüência romântica e inoperante de Paulo Martins
contrasta o tempo todo com as acomodações de classe e as
orgias entre os poderosos das quais ele participa. A adesão do
poeta à luta armada e seu desfecho trágico fazem com que arte
e política afinal confluam, mas apenas quando desembocam na
mesma morte. O filme é uma parábola genial do que não muda no
Brasil.
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