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O OSCAR E A HISTÓRIA DA "EXCELÊNCIA DA ARTE" CINEMATOGRÁFICA
Foi um gesto quase automático que me inspirou a abordagem deste
texto sobre o Oscar. Ainda sem saber o que escrever sobre a atual
cerimônia da Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas, pego o celular e acesso o Facebook. É
um hábito tão vazio de sentido como abrir a geladeira
para pensar, mas é possível se acostumar com certas
ações sem buscar uma explicação
lógica para elas. Deslizando os olhos sobre minha timeline,
surge no aplicativo, de repente, uma mensagem (e uma
inspiração!): "novas histórias".
Lembro então de uma entrevista do cineasta alemão Wim
Wenders no filme Janela da Alma, de João Jardim e Walter
Carvalho. Nela ele comenta sobre o modo como as histórias nos
reconfortam porque dão significado à nossa
existência e o ser humano tem carência que as coisas
signifiquem algo. Ali, no Facebook, vejo uma série de eventos
pontuais e compreensíveis: a fotografia de um
aniversário, uma matéria sobre como vencer a
insônia e a depressão naturalmente, o video de uma
mãe que teve o filho assassinado revoltada pela falta de
justiça no Brasil e um sem número de novos avisos de
"novas histórias". O que isso tem a ver com o Oscar? Tudo. Esta
premiação é a história mais bem contada do
cinema mundial.
Apenas histórias poderosas são capazes de orientar nossa
fé. Em 2016, o Oscar chega à sua 88ª
edição confirmando nossa devoção ao culto
da celebridade, à adoração dos ideais
hollywoodianos e à crença na imagem sagrada de uma
estatueta dourada. Quando o mundo inteiro sintoniza suas TV´s
para assistir esta cerimônia buscamos encontrar na vida real o
mesmo clima de sonho dos filmes de Hollywood que povoam nosso
imaginário. Mais do que mérito artístico, o que se
procura é justiça (este ano um dos grandes debates
é que pelo segundo ano consecutivo nenhum negro foi indicado nas
categorias de atuação) e a vitória de um
herói que nos inspire a continuar acreditando que a felicidade
se conquista com glamour, sucesso e capas de revista.
Só que o papel do Oscar não é apenas
simbólico. Ele foi estratégico porque a
dominação do mercado mundial de cinema pela
indústria norte-americana acabou sendo, ao mesmo tempo,
quantitativa e qualitativa. A partir de 1929, já em sua primeira
cerimônia, ela lança um poderoso slogan
publicitário: o de promover "a excelência
cinematográfica", uma expressão que é repetida
anualmente. Como quase todas as categorias são dominadas pelos
filmes norte-americanos, Hollywood não apenas padronizou um modo
de fazer filmes e dominou a maior parte das telas do planeta mas nos
educou a entender como "melhores" os filmes por ela produzidos.
Aliás, é interessante como este "ideal de
excelência" forjado pelos 36 membros iniciais da Academia
permanece praticamente inalterado até hoje. Sem nunca ter sido
redigido, este ideal espelha os valores mais caros à
indústria: são considerados mais artísticos os
filmes realistas, tecnicamente bem feitos, com narrativas lineares,
baseados em fatos reais, mensagens edificantes, de preferência
com um fundo histórico por trás e onde os atores aparecem
quase transfigurados para viver um personagem. Exemplos não
faltam e extrapolariam as páginas da edição do
jornal de hoje. Os atuais Spotlight e O Regresso mantêm a
tradição de Wings, de 1927, e trazem à tona
histórias com fundo moral, de denúncia ou vínculo
com a realidade. Em 1930, George Arliss recebeu o prêmio de
melhor ator por personificar o Primeiro Ministro Britânico
Benjamin Disraeli; em 2012, Meryl Streep capricha no sotaque e na
maquiagem para incorporar a Primeira Ministra Britânica Margaret
Thatcher; em 2016, é a vez de Michael Fassbender encarar o
processo de transformação para viver o
papel-título em Steve Jobs. Arrisco a dizer que a
"história da excelência do Oscar" é um traço
cultural que várias nações partilham. Nós a
assimilamos sem perceber, assim como aprendemos a falar o idioma de
nosso país. Raramente a questionamos porque este aprendizado
nós é (im)posto como um divertido jogo onde tudo é
espetacular. Acreditamos, por exemplo, no mérito da
eficiência de uma atriz (Meryl Streep) que é indicada 15
vezes ao Oscar, mas cuja atuação está muito (mas
muito!) longe de atingir os mesmos índices fora dos EUA. Sim, a
"história da excelência" nos habita. Uma prova disto
é que tanto os atuais 6.000 membros da Academia quanto qualquer
mortal é capaz de ir ao cinema e dizer quase sem pestanejar
"este filme ou ator tem cara que vai ganhar um Oscar".
Não posso terminar este texto sem expressar minha alegria em ver
o filme O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, entre os indicados
deste ano. Apesar de ter sido lançado em 2014, esta linda
história só despertou a curiosidade do público
brasileiro quando foi inserida na história do Oscar. Somente
após este cruzamento, uma animação que sempre foi
excepcional e premiada mundo afora é tardiamente festejada em
seu país. Será a historia do Oscar mais poderosa que a
dos filmes que ela representa? O que eu posso afirmar é que
todos participantes da 88ª cerimônia da Academia
terão o mesmo final (feliz?): serão convertidos em um
tipo de personagem que será sempre reconhecido como
indicado ou vencedor do Oscar. A história continua...
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