A Cerimônia do Oscar: entre o cinema e o programa de auditório
(texto publicado na Revista Juliette, Ed6, abril/2009)

A cada ano, ao final de fevereiro, me fazem sempre a mesma pergunta: o que você achou do Oscar? E, a cada ano, eu me deparo com a mesma dúvida: estão querendo saber da qualidade dos filmes premiados ou do show televisivo? Querem saber se concordei com o mérito artístico da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ou se eu dormi antes do final do programa? Para mim é uma questão complexa porque não consigo separar uma coisa da outra. Aliás, me parece ser este o grande mérito da cerimônia digno de um texto: o intercâmbio comercial-narrativo-espetacular entre cinema e televisão.

Para começar, tento responder a uma pergunta: por que o mundo liga a televisão para ver o Oscar? De modo geral, porque anualmente todos os países assistem aos mesmos pacotes cinematográficos hollywoodianos. Um programa de sucesso tem que ter algo de familiar, de apelo universal, e as implacáveis distribuidoras de filmes colocam o cinema norte-americano em 85% das telas da Alemanha, 68% do Japão, 90% de Israel e 90% do Brasil, por exemplo. Anos atrás eu assisti à transmissão da entrega do César, o "Oscar Francês" (mais uma prova da familiaridade que temos com este símbolo da indústria do cinema). Meu controle-remoto entrou em ação em menos de 30 minutos, tal era meu desconhecimento da variedade de filmes, atores, diretores e técnicos que dificilmente chegarão em outros continentes.

Existe ainda uma outra hipótese para responder à pergunta anterior. Só que agora de caráter narrativo. Assistimos ao Oscar porque, assim como os filmes escapistas da indústria norte-americana, é um programa que não te desafia, te pega apenas pela emoção, que utiliza fórmulas já institucionalizadas e valoriza os discursos edificantes. E o espetáculo é grandioso, quase um épico, porque boa parte da platéia do Kodak Theatre e dos telespectadores não assistiram aos filmes em competição. O que tem que nos impressionar é a lógica hollywoodiana dos acontecimentos: as luzes, a trilha sonora comovente, a overdose emocional dos agradecimentos, o suspense da abertura do envelope, o glamour das roupas, a comoção com os perdedores, a descontração dos números musicais, o tom solene de alguns momentos como o In Memorian e o Oscar Humanitário, o humor despretensioso de alguns apresentadores, enfim, elementos que qualquer ser humano educado audiovisualmente compreende desde a mais tenra idade.

A Cerimônia do Oscar pode ser vista como o primeiro Big Brother. Através dele, o mundo do cinema começou a desnudar seus heróis e a criar novos mitos a partir da mediação televisiva. O ano de 1953 marca o início das transmissões nos Estados Unidos. Em 1966, suas imagens chegavam ao vivo para a Europa e, posteriormente, para o resto do mundo. A cada ano, mais do que constatar a tendência de americanização do cinema mundial e a qualidade das campanhas de marketing, este programa de auditório nos ensina o que é a "excelência" do cinema: filmes tecnicamente bem feitos, com interpretações camaleônicas, uma história de amor com pano de fundo histórico e uma importante lição de moral. Titanic, de James Cameron, pelos padrões desta Academia, representa a perfeição cinematográfica, ao se tornar o filme com maior número de indicações (14) e premiações (11). E a vontade de "espiar" pela janela da televisão para conferir os vencedores é proporcional à bilheteria dos filmes que estão competindo. Foi com este blockbuster que, em 1997, arrastou multidões para o cinema, que o Oscar teve seu último grande índice de audiência.

Como eu disse no começo deste texto, cinema e televisão estão intrinsecamente relacionados quando se fala de Oscar. O mérito artístico do cinema ficou fora do objeto desta análise porque é um assunto muito específico e, ironicamente, uma parte insignificante da cerimônia. O grande desafio anual é vender cotas de patrocínio para o show. Portanto, é preciso idealizar um programa televisivo espetacular e que, por medida de segurança, seja espetacular independente dos filmes que serão apresentados ou premiados. O esforço tem valido a pena. Não é por acaso que a Cerimônia da Academia acumula centenas de indicações e vitórias em outra premiação conhecida como Emmy (mas podem chamar de "Oscar da Televisão").

Tom Lisboa é professor de cinema, artista visual e autor do livro "Entre a estatueta do Oscar e o Oscar da estatueta".